Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário

Assédio Moral nas Empresas: Uma prática sem controle e a busca por justiça

15 de fevereiro de 2024
Por: Gisliene Hesse

Enquanto a ausência de regulamentação para punir o assédio moral alimenta uma cultura tóxica nas empresas, sejam elas do setor público ou privado, os estragos se multiplicam, prejudicando tanto os trabalhadores quanto as próprias organizações. O presidente interino da Seção Sindical Goiânia e bacharel em direito, Waltterlenne Englen, trouxe à tona essa problemática em seu Trabalho de Conclusão de Curso.

Intitulado “A omissão do ordenamento jurídico quanto ao assédio moral institucional nas relações trabalhistas”, o estudo defende a urgência da criação de uma legislação específica para combater essa prática devastadora e responsabilizar os que a perpetuam.

O trabalho de Englen foi escolhido como um dos temas relevantes do semestre, por isso, foi publicado em livro que reuniu os melhores trabalhos da universidade (veja a galeria de fotos no fim da entrevista). O SINPAF entrevistou Waltterlenne para explorar as questões cruciais que permeiam o tema. Parte desta entrevista foi publicada no Spalhaphatos de Setembro. Por motivos de espaço, não foi possível publicar toda a entrevista no veículo. Pela importância da abordagem, compartilhamos a entrevista novamente com vocês. Amanhã, 16/2/2024, o Walterllene Englen será entrevistado pela Rádio Sintel-DF. Confira abaixo a entrevista completa sobre o assunto.

O que é o assédio e as consequências

1. Como se caracteriza o assédio moral institucional ou corporativo?

O assédio moral evidencia-se por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica direta, que atenta contra a dignidade psíquica do trabalhador, em todas as suas dimensões, de caráter e forma repetitivos ou não e prolongados ou fracionados, mas essa evidência não é regra.

O assédio moral visa, necessariamente, a exposição da vítima a situações vexatórias e constrangedoras, aptas a causar ofensas à personalidade, à dignidade, às habilidades profissionais ou à integridade psíquica do perseguido. Para isso, segue uma sistemática organizada: i) identificar a estrutura emocional do assediado; ii) dimensionar a dosagem e frequência dos ataques; iii) mapear o grau de resistência psicológica da vítima; iv) planejar a destruição da estrutura emocional e, por fim, v) a executar o assédio moral interpessoal. 

O objetivo buscado por essas condutas é transformar a vida do “empregado mapeado” em uma tortura emocional. Esta se inicia com o fardo diário de ir ao trabalho e se estende com a impossibilidade da sua convivência nesse ambiente laboral deteriorado.

2. Quais são os principais motivos ou fatores que levam empresas a adotarem essa prática?

Os principais motivos e fatores que levam as empresas a adotarem essa prática covarde é a necessidade que o ser humano tem de domínio sobre o outro, e quando isso é permitido ORGANIZACIONALMENTE, se torna mais fácil se assumir, mesmo que indiretamente, a posição de assediador em uma gestão pautada pela ingerência, que dará todo o apoio para as práticas assediadoras, a fim de perpetuar grupos sobre grupos independentemente de capacidade administrativa ou intelectual, os maus gestores são escolhidos para fazer prevalecer a cultura de dominação institucional sobre os trabalhadores (gestão pública).

Já na iniciativa privada, se assumir diretamente como assediador faz parte do jogo no cumprimento dos resultados determinados, onde os fins não justificam os meios. Nesse cenário, não há preocupação pessoal de ser assediador de forma indireta, ela se revela sem nenhum obstáculo, a fim de impor a cultura do assédio moral como ARMA DE GESTÃO para intimidar os trabalhadores a entregarem as metas estabelecidas.

3.Quais são as principais consequências do assédio moral para o/a trabalhador/a?

A prática do assédio moral traz consequências terríveis para os trabalhadores tanto físicas como mentais. As mais comuns são: stress, stress pós-traumáticos, irritabilidade, perda de autoestima, perturbações da memória, apatia, ansiedade, perturbações do sono, problemas digestivos, depressão, e em estágio mais grave pode conduzir a vítima inclusive para o suicídio.

Essas consequências afetam diretamente o clima organizacional da empresa, por ser difícil provar o assédio moral, a vítima se sente impotente para formalizar a denúncia e convive com essa situação dia após dia, tal cenário interfere diretamente em questões básicas de trabalho (produtividade), degrada o psicológico (saúde mental) e destrói o simples prazer de trabalhar (bem-estar). Ir ao trabalho pode significar um pesadelo, e nesse clima, o assediador pode reunir elementos para justificar inclusive a demissão do trabalhador.  

4- E para o assediador/a e para a empresa, quais as consequências?  

A empresa pode ser processada e se ver obrigada a cumprir sentenças judiciais com valores consideráveis, além de ter a sua reputação prejudicada, caso não seja ela própria a permitir o assédio moral, sendo assim, a própria empresa pode ser vítima de gestores assediadores.

O assediador pode ser demitido por justa causa, ressarcir os valores provenientes da condenação da empresa em juízo e ser surpreendido pelas vítimas por reações provenientes das ações assediosas.

Assédio e Legislação

5- Qual é a principal motivação por trás da ausência de legislação específica para o assédio moral no ordenamento jurídico brasileiro, apesar de suas graves implicações na saúde dos trabalhadores e na dignidade da pessoa humana?

O legislativo deixou de contemplar intencionalmente na Reforma Trabalhista de 2017 as questões devastadoras causadas pelo instituto do assédio moral interpessoal e institucional. A principal motivação para a omissão do ordenamento jurídico brasileiro quanto ao assédio moral institucional nas relações de trabalho foi estabelecer o controle sobre os trabalhadores, já que essa prática não configura como uma ferramenta de gestão, e sim, uma ARMA DE GESTÃO, a fim de beneficiar as empresas e gestores com práticas assediadoras, na busca do cumprimento de metas, independentemente dos meios utilizados (iniciativa privada) e para manter uma cultura de domínio dos trabalhadores e servidores públicos (gestão pública) através de gestões construídas por: a) predileções pessoais; b) ausência de meritocracia; c) desvalorização do conhecimento; d) desprovimento de critérios técnicos para formação das bases de decisões; e) dependência de pareceres jurídicos; f) carências de resultados; g) disputas entre grupos desprovidos de capacidade técnica e administrativa de gestão; h) impedimento de gerir por decisões previamente veladas; i) escolha de gestores assediadores. Nesse sentido, o assédio moral institucional é praticado para manter todo esse cenário de ingerência pública e privada, que passou valer a pena ao impor o domínio do homem sobre o homem nas relações de trabalho, uma vez, que o risco compensa por falta de legislação específica para coibir essa poderosa ARMA DE GESTÃO. 

6 – Diante da omissão do legislador e da falta de punição legal para o assédio moral no ambiente de trabalho, como você enxerga a possibilidade de implementação de uma legislação que abranja tanto a iniciativa privada quanto a pública, com regras e princípios de intolerância ao assédio moral e a tipificação da conduta como crime?

Através da boa vontade legislativa de querer fazer acontecer, o que é tarefa difícil por invadir interesses de grupos econômicos poderosos e da famigerada capacidade de gestão pública construída nos pilares apontados no item 1 (“a” a “i”), mas é possível avançar porque as entidades como os sindicatos, ministérios públicos, tribunais de justiça, órgãos de controle, Senado Federal e demais municípios brasileiros já estão atentos ao problema, e a mobilização destes atores é um reforço muito bem vindo para derrotarmos esse poderoso inimigo.

7 – Diante do silêncio da reforma trabalhista de 2017 em relação ao dano moral institucional, como você avalia o impacto dessa omissão na perpetuação do assédio moral como uma prática de gestão, tanto no setor privado quanto no setor público?

É o risco que vale a pena correr quando, o que se deseja alcançar está além de prevenir, apurar, sanear e combater o assédio moral, tanto interpessoal ou institucional, ou seja, a depender de condenações impostas a essas empresas o risco não valerá a pena, daí a empresa que tinha em sua cultura permitir o assédio moral institucional, não mais permitirá, e para não sofrer dano moral institucional deverá rever seus conceitos de gestão. É o famoso ditado popular: o feitiço virou contra o feiticeiro.

8. Quais seriam as possíveis medidas para prevenir e combater essa cultura de assédio moral nas empresas e instituições?

Depende da estratégia a ser adotada e do grau de assédio moral interpessoal e institucional, sendo que um é consequência do outro. Para prevenir e combater um inimigo tão poderoso, as soluções não são como num toque de mágica, ou seja, o assédio moral arraigado é fruto de uma cultura pretérita e presente que deve ser estudada para direcionar quais as melhores estratégias a serem adotadas e que trarão os melhores resultados, já que com a prevenção mal executada você fortalece as práticas assediadoras daí o assédio migra de estágio, o que torna difícil, inclusive a sua prevenção, imagine o combate.

Caso Embrapa

9-Diante do caso específico envolvendo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), em que foi constatado assédio moral praticado por uma supervisora durante longo período, quais foram as principais consequências e medidas adotadas pela empresa após a condenação judicial?  

A empresa constituiu uma comissão inicial fora dos ditames da sentença judicial, o que causou a interferência do MPT DF/TO – Ministério Público do Trabalho para que a Embrapa constituísse a comissão devidamente eleita pelos empregados, conforme havia determinado a justiça, em seguida, a empresa cumpriu a sentença e empossou a comissão eleita pelos trabalhadores. A EMBRAPA, mesmo após a constituição da CPPCAM – Comissão Permanente de Prevenção e Combate ao Assédio Moral e Sexual pouco tem feito para possibilitar os trabalhos da referida comissão.

As principais consequências para a empresa, que insiste em não tratar o assédio moral com a seriedade que o tema exige, foi ter sido condenada por assédio moral institucional, onde bastou apenas uma denúncia para que isso fosse comprovado, além de multas pagas em decorrência da condenação e por não ter apresentado dados de denúncia solicitado.

10. O Assédio Moral tem sido discutido novamente nas tratativas do Acordo Coletivo de Trabalho 2023/2024 da Embrapa, como tem sido as discussões?

No ano passado, a empresa se recusou a avançar sobre o tema nas negociações do ACT – Acordo Coletivo de Trabalho 2022-2023 com argumentação contrária ao que devidamente poderia ter sido negociado. Na atual mesa de negociação (ACT 2023-2024), o tema voltou a ser contemplado na pauta de reivindicações do sindicato, é mais uma oportunidade para a Embrapa rever sua postura e dar o exemplo, caso realmente ela se preocupe em resgatar sua reputação, pelo contrário, serão apenas palavras vazias desprovidas de atitudes que caminham na contramão da solução.

Há quem diga, que a empresa não dispensa à CPPCAM o mesmo tratamento dado à Comissão de Ética da Embrapa porque ela não foi estabelecida pelos órgãos de controle do Governo Federal (CGU). Na verdade, se a Comissão de Ética da Embrapa de fato funcionasse, não precisaria nem da CPPCAM, uma vez, que o assédio moral é um desvio de conduta ética, logo, deveria ser tratado no escopo desta comissão devidamente estabelecida por obrigação de controle.

11. Como a instalação da Comissão Permanente de Prevenção e Combate ao Assédio Moral e Sexual (CPPCAM) tem contribuído para lidar com essa questão no ambiente de trabalho da EMBRAPA?

Até o momento o Regimento Interno da CPPCAM não foi alterado, mas existe a possibilidade de mudança, onde a comissão terá as suas competências reduzidas. Com a instalação da CPPCAM, mesmo que contrária ao desejo institucional, sua existência é de fundamental importância para iniciar um processo de desmonte do assédio moral e sexual no âmbito da Embrapa, pois é do conhecimento da maioria dos empregados a existência desta comissão, que mesmo limitada desempenhará um papel fundamental para coibir essa prática inaceitável em pleno Século XXI.

12. Diante das alternativas propostas para o enfrentamento do assédio moral institucional, como você vê a viabilidade e a efetividade da implementação de uma legislação específica, comissões de combate ao assédio e a inclusão dessa questão nos programas de integridade do Poder Executivo Federal? Vejo como o pontapé inicial para de fato consagrar os dizeres na bandeira nacional (ORDEM E PROGRESSO) no mundo do trabalho, onde direitos e garantias constitucionais são desafiados e afrontados por quem deveria a obrigação de cumpri-los, no caso das administrações públicas direta e indireta. Se o assédio moral e sexual for recepcionado pelos programas de integridade do Poder Executivo Federal a CPPCAM passa a ter o mesmo status de importância da Comissão de Ética da Embrapa, esse seria o diferencial para fortalecer a comissão e demonstrar na prática que a empresa resolveu definitivamente dar a devida atenção aos problemas.

13. Quais seriam os principais desafios para tornar essas medidas efetivas na prevenção e combate ao assédio moral no ambiente de trabalho?

A resistência cultural da empresa e a manutenção do assédio moral institucional de forma estruturada, a fim de se manter a ARMA DE GESTÃO nas mãos dos assediadores, uma vez que o prejuízo decorrente de ingerência no âmbito público, raramente penaliza os agressores, em flagrante comprovação de permissão desta prática institucionalmente, ou seja, isso configura inclusive IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, RESPONSABILIDADE CIVIL E ADMINISTRATIVA, bem como, RESPONSABILIDADE PENAL se a legislação omissa até aqui configurar o assédio moral como crime.

Confira o Spalhaphatos de setembro aqui

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